-Acreditar que se domina a situação é pisar em falso - F.C.

O sol ainda não havia batido em sua janela. A janela passou a noite entreaberta, quem sabe o vento traria aquele cheiro, na madrugada, o perfume que um dia ela sentiu. O vento não trouxe, o sol não chegou e a lua foi embora. Como em todos os outros dias que eram dias comuns ela se ajeitou, fez algo diferente no cabelo, uma maquiagem diferente ao redor dos olhos – que renderia um elogio do chefe ao chegar no trabalho – mudanças sempre lhe rendem elogios. Deve ser por isso que se viciou em mudar o cabelo, em mudá-lo de cor, de corte, viciou-se em mudar. Enquanto todos buscam sair da rotina ela busca entrar em uma. Cansou de cinemas na quarta, cafés na segunda, dividindo o tempo entre um e outro amigo que não lhe dizem nada de novo ou interessante. O verão começava. Ela não gostava do verão. Aquelas cores todas lhe doíam os olhos, as roupas pretas chamavam a atenção no verão, e ela não queria chamar a atenção. Não nestes dias que gostaria de esconder-se, dormir. Descobriu um antialérgico que a faz dormir. Ela tem alergia da realidade. Realidades mal vividas, mal resolvidas. Imaturidade madura de quem não muda o que acha que é bom. Ela é boa. Boa a quem cede o lugar, a quem ama sem a recompensa do também, boa porque não discute mais com a mãe, porque cede aos caprichos da irmã, porque se submete ao papel psicóloga para amigos psicólogos. Boa porque prenche espaços vazios, deixados por quem foi mau um dia. Boa porque não quer incomodar. Eu não quero incomodar. Para quem ela decidiu esquecer, para o amigo que ela ignora no fim de semana, para o pai que ela não liga, para a irmã que ela não foi no aniversário, ela não é boa. Ela queria falar um palavrão, um não ... dois, três quem sabe. Mas apenas sai um: Whatever. Ela aprendeu com o amigo nerd, que não acredita em sua saudade, que se esconde como ela quando alguma coisa dói. E dói. Quando dói a gente se encolhe. Como aquela planta, você toca nela, ela se encolhe. Ela é hoje, uma planta encolhida. Viva e retraída. Seu sorriso não é falso. Ela ri mesmo da vida. Teve um filme, um conselho, sorria faça as pessoas se perguntarem porque você ainda está rindo. Atingiu o ápice do conselho ela mesma se pergunta: Do que você ainda está rindo? Mudanças. Fins. Começos. Voltas. Tropeços. Ainda não ama. Ela ainda não ama. Você entende isso? E tudo muda. Tropeçar não é cair. Todo fim é triste, mas nem todo começo é alegre. Luana Gabriela 13/11/2009
Trilha: Ana Carolina
[É... mas tenho ainda muita coisa pra arrumar
Promessas que me fiz e que ainda não cumpri
Palavras me aguardam o tempo exato pra falar
Coisas minhas, talvez você nem queira ouvir
...
As vezes ando só, trocando passos com a solidão
Momentos que são meus e que não abro mão]

- escrever é enfiar o dedo na garganta - CFA

Blog traduz uma prova de resistência. Um big brother ao avesso dos gêneros literários. Ao invés de ser conhecido, corresponde a um mergulho adoidado no anonimato. Distinto da noção do senso comum de que se trata de um lugar para aparecer. O resultado final (a possível badalação de um endereço virtual) não expõe a realidade. Os exibidos foram antes tímidos, os extrovertidos foram antes introvertidos. É a mais dolorida experiência editorial. O mais severo teste vocacional. Uma ferramenta capaz de sugar sua vida ou sua aspiração. Indica a fronteira entre o amador e o escritor, entre o diletante e o renitente, entre o curioso e quem não consegue se afastar da compulsão narrativa. O amador cansará nos primeiros meses. Vai deduzir que não vale a pena o trabalho, que ninguém lê. Uma tortura postar textos durante três meses e não receber nenhum comentário. São os quarenta dias do deserto, com as tentações sobrevoando o teclado. Você pensou que aquilo seria a glória instantânea. Caprichou na redação, no humor e nas perspectivas singulares de captura do cotidiano. Mas o único que entra no site é você. Trinta vezes ao dia. Chega a esbarrar consigo entre tantos acessos e atualizações. Uma miragem. Cada texto é um quarto vago. O desespero o obriga a fazer atos impensáveis: entrar de computadores diversos para fazer com que o contador se mexa de alguma forma. Assim como um atacante chuta a bola para as redes alheio à marcação do impedimento. Para se livrar do azar. Ainda que esteja quebrando uma das regras básicas do jogo e leve um cartão amarelo. Não há nem juiz para lhe dar cartão amarelo. Percebe que lançou um texto com um erro gravíssimo de português. Estava na rua quando lembrou a indecisão ortográfica, longe de qualquer terminal. Foi observando um outdoor. Corre para uma lan house, consome seu suspiro sem sentir o gosto, arruma e conclui que tampouco alguém reparou. Decide escrever qualquer coisa que continuará sendo qualquer coisa. O isolamento do blog produz alucinações. O contador de visitas parece uma bomba-relógio: anda para trás. Depois de postar, o autor perde a privacidade para se tornar - teoricamente - domínio público. Mas não saiu do caramujo do quarto, e entenderá que escrever e ser conhecido não acontece simultaneamente. Há a idéia equivocada de que todos os leitores do mundo estão esperando sua publicação, que basta acenar para a luz do sol que imediatamente será linkado, sugerido, alardeado. Ao deixar minha casa, não recebo nenhuma proposta sedutora no caminho. Nunca encontrei nenhum editor no metrô. O que me leva a constatar que o blog é o metrô da internet. Escrever na rede é uma tentativa de suicídio, chamar atenção dos outros para a nossa carência. Um aviso escandaloso da nossa fragilidade. Pensando bem: publicar é um suicídio frustrado. Quando o ímpeto de sair da vida é usado para entender a própria vida e as dificuldades enfrentadas pelos demais autores. Uma das virtudes do blog é justamente sua provação. Agüentar os contratempos no osso. Ver que não é um elogio que o fará continuar, muito menos uma crítica que o fará desistir. Que nascer para a letra é amar a insuficiência. O escritor se sucede progressivamente. Melhora. Estar sozinho é ainda estar povoado. Povoado por dentro. Pelos personagens, pelas histórias familiares, pela observação aprofundada dos seus arredores. Só quem foi fantasma um dia poderá alimentar seus fantasmas. Procura-se um reconhecimento externo e encontra-se algo mais preciso: a afirmação pessoal na persistência. Procura-se lá fora o que já se tinha. Como diz Santo Agostinho: “Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Eis que habitáveis dentro de mim.” O esforço de sair da solidão ajuda curiosamente a fortalecê-la. Compreende que não escreve para completar um diário, ou para repetir sua história, se fosse assim não contaria com assunto para atualização semanal, mesmo que desfrutasse de uma trajetória acidentada e heróica como a de Hemingway. Escreve para duvidar e se banhar na luminosidade da confusão biográfica. Acima de tudo, compreende que a imaginação não julga como a memória. Que imaginar é delicioso, imaginar: uma memória sem culpa. Um texto postado é como um texto impresso. Mais fácil para localizar os erros, os tropeços, formar distanciamento. Confere uma maioridade na escrita, reforça uma postura profissional de jardinar e cuidar do verbo, de alterar a prosa e a poesia em nome da transparência e da fluidez. Há a formação gradual de uma assinatura, transmitindo uma visão de ser responsável por aquilo que se diz, de assumir honestamente as dívidas da boca. Organiza-se o rascunho, que é bem mais duro do que redigi-lo. Não é fácil a rotina da blogosfera. Terá que superar vários fins, várias negativas, várias mortes. Superar a expectativa de fama pelo prazer do texto. Por isso, o prazer necessita ser mais forte do que a dor. O masoquista é o que gosta mais do sofrimento do que da carícia. O blogueiro é o que esquece a ferida pela alegria. A diferença entre guardar o inédito no blog e na gaveta: o blog é uma gaveta aberta.
Fabricio Carpinejar
Ps: Este texto vai como um agradecimento as outros blogueiros (as) que passam por aqui! Obrigada!
Trilha: The Cranberries - Stars
[As estrelas estão brilhantes esta noite,
uma distância nos separa E eu ficarei bem,
o pior que eu já percebi em nós Ainda tenho minhas fraquezas,
ainda tenho minha força]
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