Cheia de papéis e trabalho. Os
dois celulares ao lado. Uma enorme caneca de café, quase frio, e sua ausência
ocupando o lugar que resta na cama. Quem dera eu pudesse ter evitado isso. Quem
dera eu tivesse conseguido entender que conquistar coisas não é mais importante
que reconquistar você, cada dia um pouquinho.
Ficou um espaço vazio, cada vez
mais preenchido por cobertas e almofadas. Penso em comprar um cachorro, logo eu
que sempre tive medo, que já tive horror, agora desejo, um pequeno ser para
trazer vida a este apartamento, que você deixou, levando tudo que te pertencia,
e meu exemplar especial de A insustentável leveza do ser. Só espero que você
leia. Espero que entenda o peso de sermos quem somos, e como isso deveria nos
deixar leve, fazendo um paralelo com aquilo, o único aquilo, que você levou de
mim.
Pensei em nome para o cachorro,
Amarante, seria ótimo, Almodóvar, Woody Allen, Duvivier, Selton, olha só, todos
nomes de pessoas interessantíssimas com as quais você não se parece nem um
pouco. Quem diria, que a gente um dia ia dar certo? Ninguém. Ninguém disse, a
gente não ouviu, a gente duvidou do silêncio, a gente duvidou do início,
acreditou no fim.
Amanhã tirarei o pó dos móveis, a
tarefa que você mais odiava fazer durante a faxina. Tirar o pó dos móveis é
como abrir o coração para alguém depois de uma decepção. A gente abre, o amor
sopra, aí ele espalha pelo ar aquela sujeira toda, a gente fica com medo que
chova, fecha a janela, e parte da sujeira cai de novo por ali. Eu queria me manter limpa por dentro, mas teu
amor me empoeirou por dentro. Chove muito lá fora e eu não posso abrir as
janelas para o ar entrar.