TODOS

Ontem me perguntaram o que eu queria do futuro. Eu respondi sem a menor convicção: só quero que meu apartamento fique pronto. Dessa resposta eu pude inferir um monte de coisas sobre as quais eu estava evitando pensar. A falta de ânimo e esperança é uma delas. O medo sempre latente é outra. Eu queria também fazer logo minhas próximas 3 tatuagens. Mas isso eu não podia dizer. 

Eu não podia dizer que eu queria aluno interessados, professores que valorizassem seus trabalhos. Que eu queria não chorar mais cada vez que lesse um relato na página do SP Invisível. Eu queria mais tempo pra ler, nem que fosse na fila do banco, na sala de espera do dentista. Eu queria viver em um lugar com menos burocracia. 

Eu queria minha vó de volta. Eu queria meu vô de volta. Eu queria minha tia de volta. Eu queria ser criança de volta e ser feliz. Não fui uma criança feliz. Eu era presa em mim mesma, eu permitia que me rebaixassem, que me dissessem como eu deveria ser. 

Mas eu gosto mais de quem eu sou agora. Livre pra ser quem eu sou, mesmo que prisioneira das consequências das minhas escolhas. Eu escolhi continuar gorda. Eu escolhi fazer só os exercícios que eu gosto. Eu escolhi ser professora e não vender minha alma pras empresas-escolas, mas empregar-me de corpo e alma em instituições de ensino. 

Eu ensino. Eu aprendo. Eu vivo. Eu rio. Eu sofro. Eu caio. Eu levanto. Eu durmo. Eu sonho. 

Quando me perguntaram o que eu queria, o mestrado foi esquecido, o amor foi esquecido. Na verdade o que eu queria era não perder mais ninguém. Nem mesmo a mim. 

Não me perder da minha escrita. Do meu sentir. Do meu querer.

O Lenine cantava "a vida é tão rara", uma folha caía da árvore. Uma lágrima de mim. Alguém caí morto. Alguém morria de amores. Alguém caía em si. Alguém. 

Você. 

Eu.

Ninguém.

Todos.
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