Fabrício Carpinejar
Nunca toquei violão e sempre quis.
Não tive coragem de pedir para a mãe ou o pai.
Contei ainda com o azar de ninguém me ensinar, estender o instrumento sem cerimônia e me orientar: "segura aqui, segura assim, é fácil".
A poesia ficou sendo uma música mais barata.
Escrevi para Reynaldo Bessa: o violão desenforca os homens. São cordas para salvar as pessoas da solidão, do nó do desespero. O violão é um antídoto contra o suicídio, o mais eficaz inventado até hoje.
A tendência do bilhete de suicida é virar letra, o sujeito animar-se com a melodia e esquecer as idéias macabras.
Como alguém vai se matar segurando as canções com os próprios dedos? É como dar colo a um bebê. Uma responsabilidade frágil.
A música reabre o nascimento.
Ao esticar as cordas, aumentamos a altura do timbre. Para quem já cresceu tudo o que podia, é um jeito do corpo prosseguir avançando. Um centímetro de voz por noite. É uma infância que não termina de dormir. Com violão, homem feito ou não alça sua estatura de noite. E aparece muito maior de dia.
No colégio, era o amigo do “amigo do violão”. Nas festas de desconhecidos, ele não precisava se apresentar. Logo fazia empatia e trocava risadas antigas na varanda com o aniversariante (mesmo sendo a primeira vez que o via).
Muito menos dependia de cumprimentos nas reuniões da turma. Com o estojo nas costas, já recebia a cerveja e o lugar de destaque no sofá. As meninas o paparicavam, exagerando nos beiços e advérbios, insistindo que apresentasse os sucessos do momento. Ele argumentava:
- Agora não, depois! E levantava o corpo gelado com displicência.
Considerava sua afirmação um luxo de poder.
- Agora não, depois!
Ele mandava no tempo. O resto da festa tornava-se uma espera ansiosa. Os outros reparavam nos seus gestos, procurando adivinhar a decisão e antever o caminho dos seus braços.
Eu permanecia escorado na parede da cozinha entre a personalidade de penetra e a de garçom. Um pouco de ciúme de não ser ele. Um pouco de orgulho por ser amigo dele.
O violão é um confidente. Vejo minha filha conversar com o instrumento. Fala cada coisa para ele que nem sonho.
Não importa. Ela me promoveu. Vou melhorando de vida. Agora eu sou o pai da menina que toca violão.
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Esse texto é muito a cara do meu pai. Ele sempre teve baquetas em casa, mas NUNCA tocou bateria, e sei que de uma forma ou de outra eu tocar alguns instrumentos (só 2) é um motivo de orgulho pra ele. Porque é uma das coisas que ele mais pergunta pra mim: e aí filha tem tocado? Mesmo que ele nunca ouça as músicas que eu fiz, as primeiras que eu tirei no violão eram das bandas que ele me ensinou a gostar, e depois claro, tirar Roberto Carlos, pra agradar minha vó. =D
Apesar da qualidade ruim da foto, essa sou eu, com 20 anos, num ensaio, em um lugar que era parecido com uma sala de aula!
Essa é minha mão, aos 18/19 anos!
Eu tô com uma vontade gigante de tocar, mas olhe que arrebentou uma corda e embora eu tenha cordas novas eu tenho uma preguiça enorme de trocar, é muito chato fazer isso. E quem geralmente trocava pra mim, não quero ver nem pintado de ouro, então... fica difícil!
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