Um lar além da casa



Oi, amigo. Te escrevo com a certeza de que só escrever pode salvar. De que cada palavra é um momento em que volto à superfície para respirar. Estou cheia de palavras e me afundo. Vou te escrever e tentar ficar mais leve, boiar e ficar por cima dessa água toda que me submerge.

Temos uma vida inteira e não sabemos o que fazer com ela. Já dançamos, brincamos, cantamos, tocamos, amamos, gritamos, brigamos, e agora quê mais se pode fazer? Você sabe que digo isso com o peito ferido de quem perdeu-se no caminho que trilhou. Esse caminho de tentar de tudo quanto fosse possível para não caminhar sozinho. Levou-me onde? Nessa estrada em que tudo me irrita. E nada me acalma.

Não fique com dó, que eu não durmo. Tenha raiva, mas não tenha dó. Há quanto tempo desejando pequenos momentos a sós, vinho e pizza, sem ninguém para julgar? Horas de liberdade. Até que os monstros que nos assustam chegam, e mesmo que nos assustem ainda os amamos, é o jogo social. Amamos o que temos, tememos perdê-los, embora nos doam. Você, mais do que ninguém, consegue me compreender.

E não adianta me jogar na cara aquele convite pra morar contigo há dois anos que não aceitei. Sendo hoje eu também não aceitaria. É aí que tá. O problema não é a companhia, é que morar sozinha é um sonho, que já completa 12 anos. E veja só não tenho perspectiva alguma de alcançar isso nos próximos anos.

Não ri. Hoje cogitei a ideia de ainda estar aqui aos 30. Imagina só, continuar por mais seis anos a não me sentir em casa se não dentro do meu quarto rodeada de livros e boa música. Veja que não é que não amo, é que para continuar amando eu queria compreensão e respeito, parece que duas palavras que não se conhece por aqui.

Mas, não se preocupe, pretendo atinar-me em tarefas tantas que por aqui virei só para dormir. Talvez me vicie em algum relaxante muscular, tomei um ontem que me deixou tão zonza que em 10 minutos desmaiei. Viva o relaxante, o sono, o sonho, a cama, o edredom. Viva o que não acontece enquanto estamos dormindo!

Já que não vamos dividir a casa, divide comigo essa agonia, e a busca por uma solidão mais vazia. As pessoas não entendem e argumentam que me sentirei muito sozinha numa casa só minha, elas não entendem que já me sinto só, só que não estou. 
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