Mais uma vez

Estou pensando em te ligar. Mas apaguei seu telefone de todas as minhas agendas, não será possível. Você ligou esses dias, na minha casa. Sem nem saber se eu estaria lá naquele horário. A gente falou sobre tudo, inclusive a gente. A possibilidade de um Ap só nosso. Você disse que teríamos de casar, eu rejeitei a ideia. O tempo em que eu gostaria (e muito) de casar com você passou há pelo menos seis anos. E nesse tempo muita coisa mudou, menos nós dois juntos.

Da última vez que saímos, segundo você, assistimos um filme super bonito. Eu não me lembro, e você se chateou por isso. Em silêncio eu me questionei: por que é que eu ainda insisto em te procurar quando minha carência aperta? E por que você está sempre tão disponível? E por que eu nunca aceito que você me leve até em casa, e vou sozinha, enfrentando o medo que sinto da noite, da rua, da solidão? Por que eu não nos deixo existir como tanta gente já supôs todo esse tempo? Por que me pergunto tudo isso agora? E por que em todo esse tempo você não teve mais ninguém?

Eu não preciso mais do que isso, que a gente já tem, embora eu queira mais que isso, às vezes. Não sempre. Hoje eu queria te ligar, falar que eu aceito ir com você naquele festival de música, dizer que você pode me trazer pra casa, que tudo bem eu aceito suas condições (aquelas que você quis me impor há cinco anos, e eu disse não), porque agora elas também são as minhas condições. Eu ia dizer que vamos ao cinema e que eu não vou mais esquecer nenhum dos filmes que a gente for ver. Eu queria te ligar, eu queria talvez, começar tudo de novo. Queria entender essa relação inexistente no campo prático e duradoura na possibilidade. Queria acabar logo com isso, dando certo ou não. Mas eu apaguei seu telefone, e você só vai me ligar no meu aniversário, em dezembro. Até lá estou presa na possibilidade de você, o que nunca me impediu de considerar outras possibilidades.

Meu telefone toca, não é você. Atendo e digo sim. Você vai ter de ficar pra depois, de novo.

Luana Gabriela
09/05/2011

Seu lindo

Nunca sei o que fazer numa situação dessas

Tá frio na rua. Marcamos um cinema, antes pousamos num café de título francês e acabamos ficando por lá tempo demais. Você pediu um capuccino sem chantilly, mas veio com chantilly. Sempre vem com chantilly, você diz. Não é garota de chantilly. Eu peço um expresso duplo. E depois outro. Aí mais um. Você mexe a colher na taça lentamente, falando sobre uma tartaruguinha de estimação que supostamente fugiu. A gente ri. Seu nariz tá vermelho. Eu tô nervoso. Mais um expresso, moça, por favor. Obrigado. Me chama de cavalheiro. Tomo como elogio, meio sem saber se é bom. Penso que é. Penso.

Você olha muito pros lados e isso me deixa um pouco inseguro. A janela, o caixa, os doces na vitrine. E diz que meu olhar é penetrante, dá um pouco de vergonha. Que nada, é o frio. Você diz que gosta de sair comigo, dar voltas na cidade, sei lá. Eu sei escutar, não sou como aqueles caras. Não sei que caras são esses, mas concordo. Estou calado justamente por estar nervoso. Aqueles caras ficam nervosos? Eu fico. Você sorri pra mim e desvia o olhar antes que eu tenha um AVC bem na sua frente. Aí gosto mais de você porque acaba de salvar minha vida.

Um silêncio constrangedor paira entre aquele "eu sei que você sabe que estou a fim de você tanto quanto sei que você sabe que está a fim de mim". Permanecemos quietos, fingindo que ninguém anda louco pra ficar bem agarradinho de outrem. Mas até o padeiro na cozinha sabe. Aí lembro daquela do Los Hermanos. Canto ela um pouco, baixinho, fitando nada. Você grita que adora essa. Eu me assusto. Não por gostar dessa, mas pelo grito. Eu já sabia. Agora vai lembrar de mim sempre que escutar. Ou seja, quase sempre. Aí eu canto como quem não quer nada, querendo tudo "...até quem me vê lendo o jornal na fila do pão sabe que eu te encontrei...". Você finge não entender.

Não temos grana nem intenção de ir a lugar algum. É noite, tá frio. Saímos pela calçada com a música na cabeça. Com a voz catarrenta você segura o poste que indica a rua José do Patrocínio e grita alto "...e ir onde o vento for que pra nós dois sair de casa já é se aventurar!" Uma senhorinha olha e te acha doida. Você rodopia no poste. Linda e abobada. Eu esqueço um pouco que caminho nervoso pela noitinha. Você também tá nervosa, mas disfarça com esses berros. Ou talvez seja apenas eu. Vou levando você pra casa, sem intenção de subir escadas, além das suas.

Eu apoio as costas na parede fria, com as mãos no bolso, me achando eloquente. Você rodopia agora o chaveiro. Você gosta de rodopiar coisas, constato. Resiste em penetrar a fechadura. Espera que eu entenda esses signos femininos, mas eu tô nervoso demais pra captar o óbvio. Um sentimento estranho de que aquilo acabe logo. É uma tortura. Não como aquelas torturas com arame temperado a fogo, mas ainda assim. Ok, então tá, eu digo. Então tá então, você diz. Você se despede beijando meu rosto. Ninguém nunca beijou um rosto por tanto tempo. É meio que um recorde. Fico pensando asneiras quando assustado. Aí você fica na ponta dos pés e me enfia a língua, como se isso fosse coisa de menina desde, sei lá, o tempo dos hominídeos.
Você enfia agora as mãozinhas nos bolsos da jaqueta que me deixa parecido com o Richard Ashcroft (ao menos eu acho). Percebo também que gosta de enfiar coisas em lugares. Diz querer continuar quentinha. Não fica bem eu subir, sei disso. Ficamos ali passando um pouco de frio e perigo. Não é confortável ali. Isso me deixa triste, você precisa logo entrar. Foi divertido. Você sorri gostoso. E pergunta se também senti borboletas no estômago. Claro que sim. Eu comeria até baratas por você, exagero. Mas é sério mesmo. Você diz "ui, que nojo" rindo. E diz que gosta de mim, faço você rir.
Merda. O relógio é tipo um assassino do amor. Você me diz pra não falar palavrões. É feio e minha boca é tão bonita. Entendo que minha roupa é tão bonita (essa jaqueta realmente me deixa foda). Não, não. Boca. Lábios. Eu beijo mais uma vez, aquecendo suas orelhinhas. Você diz que queria ficar mais tempo. Eu digo que vou ligar. Você diz que tudo bem, não precisa. Mas eu quero. Eu nunca sei o que fazer numa situação dessas. Quanto tempo espero antes de ligar? Vou embora alegre, pensando em você e bolando um jeito de não mais falar palavrões. Porque nunca mais quero ter de lavar a boca.

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(Para Valéria)

Por Gabito Nunes, originalmente postado em CARASCOMOEU


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Eu li esse texto e me vi, pela primeira vez não como a pessoa que escreve, mas como a pessoa que é descrita. Essa personagem tem muito de mim e das minhas atitudes num início de relacionamento, mesmo que ele seja curto. Eu me li e me achei bonita e divertida! Além é claro do narrador-personagem também ser parecido com meu atual flerte, fatal! hahaha Gabito Nunes, tem sido pra mim um Caio F. da literatura contemporânea. Foda, e eu nem falo palavrão!

;)
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