Pedras me ensinaram a voar

Pedras me ensinaram a voar

O amor me ensinou a mentir

A vida me ensinou a morrer Assim, não é difícil cair Quando você flutua como uma bala de canhão

Cannonball - Damien Rice

Pesado. O ar que respiro aqui entre as paredes outrora cheias, agora já não mais, de fotos nossas. Você me ensinou a sofrer. A garota que antes era só risos, hoje chora um pranto quase forçado, porque seu amor me ensinou a ferir, fingir, mentir. Verbos que para mim nunca combinaram com poemas de amor. A garota que você conheceu entre agudos de guitarra e solos de contrabaixo, já não existe mais. Ficou essa daqui. A garota de versos copiados de Caio F., que não consegue compor uma linha sequer de uma música clichê que rime amor com dor. – O que restou do céu – As grades na janela devem me proteger, mas não me defendem do perigo maior que é você. Me consumindo, me sufocando. O ar está pesado. Embora uma das paredes seja azul, aqui o sol já não brilha faz tempo. Coisas da modernidade com aquelas cortinas blackout. Falando em modernidade, ando meio avessa a ela. Coisa chata essa de se falar apenas pelo telefone, pela internet. Penso que essa coisa de globalização nos aproxima de quem está longe, mas nos distancia de quem está perto. Não conhecemos nosso vizinho , mas falamos com alguém que mora no Peru. Falo por mim que tenho um amigo de internet peruano e não sei o nome do meu vizinho. Mas quer saber? Já não me importa nada agora. Dane-se que essa gente toda quer conversar cada vez menos com seus pais e cada vez mais e mais superficialmente com aquele lá que mora em Pernambuco, Bahia, ou Florianópolis. México,quem sabe Paris? Mas veja só que nem sorte para isso tenho, me aparecem peruanos mas nunca franceses. Dane-se essa sorte que não ligo mesmo mais para Paris e essa Europa falida socialmente. Aliás, quase me esqueço de dizer. Dane-se tudo.

Não sei porque ainda mandas trazer tuas roupas da lavanderia para cá. Você demora a buscar eu rasgo todas. Guardei apenas aquele moletom que te dei no último aniversário,aquele que você usa na foto do seu msn, então este eu guardei. Porque ele é muito bom e faz muito frio aqui. Você pode se sentir culpado se um dia chegar a ler isto que agora escrevo, ainda mais culpado se sentirá se antes dessa ler todas as páginas que abrigam meus versos sem resposta de como tudo estava bem, e agora escrevo de como tudo nunca fica bem pra sempre. E você também não ficará bem pra sempre. Digo pra sempre aqui na Terra, que quanto ao teu pra sempre eterno não me cabe decidir , e isso é bom pra ti. Senão eu cantava mesmo - Vá pro inferno com seu amooooorrrr – Mas é que lá no inferno não há amor. E sabe não te desejo mal. Você nem mesmo me traiu. Tua sinceridade e coragem me encantam desde sempre. Com a calma que te é implícita – De onde vem a calma que esse rapaz consegue fingir ? – chegou, destilou tuas verdades, sobre minha importância, sobre nossa paixão, disse que estava indo, talvez voltasse, talvez não. Foste sincero para dizer que ainda não sabia se daria certo com ela, se não desse voltaria. Lembrei então de um certo dia, no ensaio, que eu te sorri e disse eu te espero a vida toda se preciso for. Mas naquela hora eu te avisei que era mentira, eu não esperaria. Eu não esperei. Você deveria saber, eu não sei esperar. Não te esperei. Você pegou poucas roupas, poucos livros, disse que no dia seguinte voltaria para buscar o resto antes que eu voltasse do trabalho. Mas no dia seguinte não fui trabalhar. Você também não veio buscar nada. Mas te aviso que já não há nada para buscar. As roupas que deixou eu dei, as que a lavanderia entrega eu rasgo, os livros ( que não passavam de dez) doei a biblioteca municipal, farão bom uso. Ao contrário de você que é um inculto. Que me criticava por gastar dinheiro com livros. Mas veja só, agora que você se foi são eles que me fazem companhia. Também foram eles que me acolheram quando você sumia dois dias seguidos. Me sinto tonta. Não como desde que você fechou a porta. Não sei bem quando foi, mas deve fazer uns três dias. Não se preocupe não vou cair ou perder o equilíbrio com esta tontura boba. Não, também não é labirintite. Não há mais equilíbrio para eu perder. Não vou cair quando já estou deitada. Não posso perder o que você levou. Você me ensinou a viver, a vida me ensinou a morrer. Mas me lembro que até mesmo as pedras, pesadas e frias voam quando lançadas e encontram abrigo num colo amigo, ou num rio com aquelas que lá estam. E então me lanço. E vou. E encontro lá fora na rua, diante de mim aqueles que todo dia fluam sobre o ar pesado dessa capital. E encontram-se frios e pesados com aqueles que lá estam. Sou só mais uma então.

Luana Gabriela

17/02/2010

Participação no Postagem Coletiva , entra lá e confere outros textos que participam este semana.

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