Com a palavra Eu

Eu e as palavras. Eu já é uma palavra. Mas eu não é igual a meu nome e a mim. Embora eu toda seja composta de palavras, nem todas são minhas, nem todas. Eu fico pensando em algumas palavras e como eu não as uso. Saudade é uma delas. Eu nunca dizia: Saudade. Eu falava “quanto tempo” e “sinto sua falta”, nunca saudade. Saudade é palavra única, como sabemos. Mas na verdade todas as outras o são. Eu também. Eu é palavra única. Eu sou única também. Quem me dera parecer com alguém a quem admiro, Clarice, Fabrício, Jesus. Estou longe, muito longe de parecer-me ainda que um milímetro de pele, ou um fio de cabelo, ou uma vírgula de uma frase, estou longe de lembrar qualquer um deles. Não são ídolos, são referências. Refiro-me às palavras. As palavras que me vêm às vezes sem querer e às vezes não me vêm propositalmente. Eu fico olhando para alguém, com alguma frase que não sei bem presa à garganta e meus olhos fixos em algo, parece que vai sair e não sai. Às vezes eu ia dizer: Eu te amo. Às vezes eu ia dizer: Não. Às vezes eu ia simplesmente e não vou. E não digo.

Gosto das palavras, mas em geral são meus silêncios que me definem. Porque através do silêncio é que os outros descobrem nas entrelinhas o que penso e o que sinto. E dá certo. Esses dias mesmo numa reunião, eu não abri a boca, a não ser pra rir. Depois me cobraram, disseram que ando muito quieta. Eu expliquei em poucas palavras, se fico quieta é porque não concordo. Questionaram: então você não tem concordado com nada? Me calei e ri. Às vezes o silêncio é nossa melhor resposta, mesmo pra nós que amamos escrever, ou como eu que sonho em viver das palavras, embora já viva delas, mas não como gostaria. (Silêncio... que é mesmo que eu gostaria, com que mesmo eu sonhava quando comecei a me reconhecer como gente?)

Não sei ao certo. Sei que sempre, sempre foi através das palavras que me expressei. Às vezes em prosa, às vezes em poesia, tenho até versos cantados com belas melodias, mas ainda assim eles não são eu. Eu sou esse silêncio. Essa voz que não se ouve. Esse abraço que não se deu. Essa mentira que não se contou. Essa verdade que não se quis ouvir. Eu sou tudo isso que se esconde, atrás de palavras tantas, que se perdem e se encontram e se salvam e sucumbem. Escrever é o mesmo que tomar remédios de farinha e açúcar. É seco, doce e parece que melhora, mas na verdade não melhora nada. A dor continua ali. Eu, eu continuo aqui,  eu.

Luana Gabriela
06/09/2010


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