Ah! Ninguém me disse isso antes

Sei lá, deve ser a proximidade do meu aniversário - não tão próximo assim -, mas essa semana tá sendo de rever conceitos, atitudes, pessoas, relacionamentos. E aí olhando alguns livros didáticos para dar futuras lições de redação, dou de cara com um texto que olha, me tirou o chão, se eu estivesse de TPM com certeza teria me desfeito em lágrimas. Quando uma amizade chega ao fim, quando um relacionamento chega ao fim, de início a culpa ou é só sua ou é só do outro. Depois, o sentimento de raiva e tristeza acalma, e você começa a pensar que na verdade todo mundo é um pouco responsável pelo fracasso da relação, seja ela qual for. Eu não sei atingir o equilíbrio ou sou muito razão e nada vale a pena, ou sou muito sentimento e o amor compensa tudo, inclusive a falta de amor do outro.

É muito difícil assumir que todo o amor que você recebeu era pouco pra você, mas era tudo que o outro podia te dar, e que talvez vá sempre ser pouco, porque você dá muito, e mesmo sem querer, espera não ficar com sede e ser saciado também. A culpa não é de ninguém, ninguém está completamente errado, nem completamente certo. Só que nesse momento, ninguém está com ninguém, embora o tempo tenha passado - relativamente- e tudo tenha mudado - relativamente - a gente continua junto, nas lembranças diárias do que poderia ser se soubéssemos fazer o nosso amor bonito. Eu não me arrependo, mas queria começar de novo, diferente, e fazer o amor bonito. Como o Artur da Távola, explica nesse texto. 

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Artur da Távola
Para quem quer aprender a gostar

Talvez seja tão simples, tolo e natural que você nunca tenha parado para pensar: aprenda a fazer bonito o seu amor.Ou fazer seu amor ser ou ficar bonito.Aprenda, apenas, a tão difícil arte de amar bonito. Gostar é tão fácil que ninguém aceita aprender. Tenho visto muito amor por aí.
Amores mesmo, bravios, gigantescos, descomunais, profundos, sinceros, cheios de entrega, doação e dádiva.Mas esbarram na dificuldade de se tornar bonitos.Apenas isso: bonitos, belos ou embelezados, tratados com carinho, cuidado e atenção.Amores levados com arte e ternura de mãos jardineiras.

Aí esses amores que são verdadeiros, eternos e descomunais de repente se percebem ameaçados apenas e tão somente porque não sabem ser bonitos: cobram; exigem; rotinizam; descuidam; reclamam; deixam de compreender; necessitam mais do que oferecem; precisam mais do que atendem; enchem-se de razões.Sim, de razões. Ter razão é o maior perigo no amor.

Quem tem razão sempre se sente no direito (e o tem) de reivindicar, de exigir justiça, equidade, equiparação, sem atinar que o que está sem razão talvez passe por um momento de sua vida no qual não possa ter razão. Nem queira. Ter razão é um perigo; em geral enfeia um amor, pois é invocado com justiça, mas na hora errada. Amar bonito é saber a hora de ter razão.Ponha a mão na consciência. Você tem certeza de que está fazendo o seu amor bonito?

De que está tirando do gesta, da ação, da reação,do olhar, da saudade, da alegria do encontro, da dor do desencontro a maior beleza possível? Talvez não. Cheio ou cheia de razões, você espera do amor apenas aquilo que é exigido por suas partes necessitadas, quando talvez dele devesse pouco esperar, para valorizar melhor tudo de bom que de vez em quando ele pode trazer.

Quem espera mais do isso sofre, e sofrendo deixa de amar bonito.Sofrendo, deixa de ser alegre, igual, irmão, criança. E sem soltar a criança, nenhum amor é bonito. Não tema o romantismo. Derrube as cercas da opinião alheia. Faça coroas de margaridas e enfeite a cabeça de quem você ama. Saia cantando e olhe alegre. Recomendam-se: encabulamentos; ser pego em flagrante gostando;não se cansar de olhar; não atrapalhar a convivência com teorizações; adiar sempre, se possível com beijos,“aquela conversa importante que precisamos ter”; arquivar, se possível, as reclamações pela pouca atenção recebida.

Para quem ama, toda atenção é sempre pouca. Quem ama feio não sabe que pouca atenção pode ser toda atenção possível. Quem ama bonito, não gasta o tempo dessa atenção cobrando a que deixou de ter. Não teorize sobre o amor (deixe isso para nós, pobres escritores que vemos a vida como a criança de nariz encostado na vitrina cheia de brinquedos dos nossos sonhos): não teorize sobre o amor; ame. Siga o destino dos sentimentos aqui e agora. Não tenha medo exatamente de tudo o que você teme.Como: a sinceridade; não dar certo; depois vir a sofrer (sofrerá de qualquer jeito); abrir o coração; contar a verdade d o tamanho do amor que sente. Jogue pro alto todas as jogadas, estratagemas, golpes, espertezas, atitudes sabidamente eficazes (não é sábio ser sabido): seja apenas você no auge da sua emoção e carência, exatamente aquele você que a vida impede de ser. Seja você cantando desafinado, mas todas as manhãs.

Falando besteira, mas criando sempre. Gaguejando flores. Sentindo o coração bater como no tempo do natal infantil.Revivendo os carinhos que intui em criança. Sem medo de dizer eu quero, eu gosto, eu estou com vontade. Talvez aí você consiga fazer o seu amor bonito, ou fazer bonito o seu amor, ou bonitar fazendo o seu amor, ou amar fazendo o seu amor bonito (a ordem das frases não altera o produto), sempre que ele seja a mais verdadeira expressão de tudo o que você é, e nunca: deixaram, conseguiu, soube, pôde, foi possível, ser. 

Se o amor existe, seu conteúdo já é manifesto. Não se preocupe mais com ele e suas definições. Cuide agora da forma. Cuide da voz. Cuide da fala. Cuide do cuidado. Cuide do carinho. Cuide de você. Ame-se o suficiente para ser capaz de gostar do amor e só assim poder começar a tentar fazer o outro feliz.

Deu um nó

É que eu já não sabia mais como viver fora da caverna. Como sair pra pegar Sol sem machucar meus olhos, queimar a pele e ficar marcada por sei lá quantos meses. Mas é quase verão, e faz muito calor aqui. Também não sei se você vai entender o que digo sem dizer. Embora eu lembre que antes de tudo acontecer você era muito bom nisso. 

É estranho dizer - antes de tudo acontecer - porque parece que nada aconteceu porque sempre existiu, entende? Aquelas coisas que a gente só vê em filme, ou em romances adolescentes de 600 páginas, a gente se afasta pra poder ver o outro feliz. Mas não sabe o quanto ele sofre. E quando sabe já não quer mais, e quer de novo e pra sempre. Entende?

Não me ache absurda por tentar dizer, sem dizer propriamente e diretamente, mas é que nada aqui dentro é direto, reto e próprio. O que estou sentindo parece ter sido roubado de alguma novela mexicana, de alguma tragicomédia. Enfim, o que eu queria mesmo era conseguir me proteger do Sol, pegar só o que é bom, e não deixar que nada me estrague, nem por fora, nem por dentro. 

É que eu não gosto de praia, nem do verão, mas tô sentindo uma vontade imensa de sentir o gosto do mar, o Sol tocando minha pele, e a brisa acariciando meus cabelos. Só que eu ainda não descobri um jeito de não me queimar, de não me afogar e aproveitar tudo isso só na superfície. 
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