Do outro lado: o de dentro

Tarde de quinta-feira, ela encostada em qualquer canto, talvez esperando alguém, buscando um rosto conhecido, talvez fosse estrangeira, ou só se sentisse assim, talvez nada disso. Um belo rosto, emoldurado por cabelo curto, desregulares e negros, como hoje em dia é comum de se ver. Enquanto a observo crio teorias sobre sua espera, sobre sua vida, e não a crio como provavelmente me atrairia, a crio como se eu a criasse apenas para desejar que não exista.

Dei nome, matei o pai, dei dons, dores, tirei um grande amor. Uma vida não muito espetacular, mas nem tão comum. Não sei quanto tempo ao certo demorei para desenhar este personagem vivo e inexistente que inventei, mas quando decidir tomar um gole do café, este já estava frio. Eu não vi o tempo passar, enquanto ela parecia controlar os segundos da espera. Reparo que ela tem uma flor nas mãos, uma rosa vermelha, envolta em um papel preto. Não estranho. Imagino agora que ganhou de seu novo flerte, e que fica ali estática e ao mesmo tempo movimentada esperando a amiga para deslanchar a falar sobre o ocorrido.

Enquanto disfarço meu súbito interesse, finjo anotar algo, consulto o celular. Quando levanto os olhos novamente, lá está: ele, recebendo um beijo demorado, um abraço de saudade e uma rosa vermelha. Dessa vez estranho. Não tenho visto mulheres ganhando flores, ainda mais homens. Desconfio de que minha história não tenha o menor sentido. E já não vejo nexo em continuar imaginando quem será ela, que presenteia seu amor com rosa vermelha. Envergonho-me. Não sei se pelo fato de ter sido percebido um observador fiel do ocorrido, ou por ser homem e me imaginar invadido em minhas cenas românticas, de ter o manual de como agradar sua parceira, roubado pela própria parceira, é como ser agredido por alguém do mesmo time.

Descobri naquela tarde, que alguns homens podem gostar de ganhar flores. Que os papéis podem se inverter. Talvez seja eu quem espera encontrar o rosto conhecido de alguém na rua. Quem sabe o meu próprio, quem sabe, do outro lado, o de dentro, eu só esteja esperando alguém capaz de me presentear com flores. 


Luana Gabriela
2011
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