[ aquele que o mundo não vê ]

Posso recostar minha cabeça em teu peito e ser envolvida por teus braços numa atitude terna que gritaria aos meus ouvidos românticos algo como “Eu te cuido. Está segura”. Sei que não passa da minha imaginação fértil, talvez eu devesse mesmo me aventurar e tentar escrever um romance, talvez não por ser tudo tão clichê. Não há nada sobre amor que já não tenha sido escrito. Não há casais improváveis que já não tenham sido criados. Nem mesmo a reciprocidade amorosa e a infelicidade deixaram de ser retratados, lembra de Tristão e Isolda? Virgínia Woolf falou algo sobre escrever um romance só com o que as pessoas não diziam, basear o amor no silêncio, é tentador não é? Não para mim. Já me bastam todas as palavras que calei e me sufocam. Já me basta minha autocensura em não te procurar, em não te abraçar e minha insistência em não acreditar que isso é amor e que pode dar certo. Não pode, não enquanto só eu achar que pode dar certo. Somos confusos e Deus é maluco. Não há sentido em sermos feitos tão pra nós, como cantou Caetano e nunca chegarmos a ser nós. Hoje está chovendo, o que é bem comum por aqui e você sabe... eu estou ficando repetitiva. Porque tudo que realmente quero escrever ou falar pode te assustar e já acho que te assusto o bastante apenas existindo e sendo tão como eu sou e você conhece muito bem. Eu preciso de cuidados mas quero cuidar de você também. “A gente se ajuda” você me disse um dia. E você também já me disse muitas coisas que não consigo esquecer, eu não consigo te esquecer. Isso não é mais normal. E já me sinto cansada de tentar lutar contra porque sei que ao reconhecer o que sinto vou sofrer por talvez não haver reciprocidade. E tento ao máximo ser racional, e escutar os conselhos que ouço, são certamente os conselhos que eu daria neste caso se não fosse eu a envolvida, mas quem segue conselhos de amor não ama. Pronto, falei. Não há nada mais perturbador que o silêncio, que o atravessar a rua sem suas mãos, que ter de destruir os sonhos que eu construí, mas queria viver só com você. Alguém pode achar graça em passear pelas ruas frias de Gramado sem você? Talvez, mas não eu. É eu sei, deixei tudo ir longe demais, mas o que eu posso fazer se você era tão próximo dos meus sonhos... e eu fui levando. E você foi ocupando espaços em mim que não estavam vagos, contrariando as leis da física, contrariando meus gostos, me redimindo das minhas dores de não saber o que amar até conhecer você. A contradição materializada num rosto claro e no primeiro olhar azul pelo qual eu me encantei. Admirar você é até certo ponto me admirar, não te impus barreiras. Deixei livre a minha vida para que você pudesse passar, passear, ficar e vivê-la comigo. Fique à vontade, eu estava dizendo, ao procurar as tuas mãos, ao sentir os teus cabelos, era minha atitude falando...o que minha boca insiste em calar. Guardo duas palavras para te dizer, palavras que eu nunca disse a ninguém, serão só suas... E eu sonho com isso, minhas mãos percorrendo seu rosto, fixamente eu estarei olhando pra você – enquanto em minha mente passa um filme, um passado de dor já tão distante, e eu suspiro, a gente abre junto um lindo sorriso e aí eu posso dizer. Mas mesmo depois que eu digo, por mais que minha imaginação se esforce eu não consigo prever o que você diria e este é mais um dos teus silêncios que me maltrata. A chuva ainda não parou e eu não decidi o que fazer com tudo isso que eu guardo para você. Luana Gabriela 16/10/2009
Trilha: Só tinha de ser pra você - Fernanda Porto
[ você que é feito de azul ]

[ o tempo certo sempre foi agora ]

[Posso te falar do medo, do meu desejo
Do meu amor.]
"Fiz fantasias. No meu demente exercício para pisar no real, finjo que não fantasio. E fantasio, fantasio. Até o último momento esperei que você me chamasse pelo telefone. Que você fosse ao aeroporto. Casablanca, última cena. Todas as cartas de amor são ridículas. Esse lugar confuso de que fala Caetano. E eu estava só começando a entrar num estado de amor por você...Pedro Paulo me dizendo no ouvido “nunca vi essa luz nos seus olhos” (...) Eu não queria saber.Você compreende tudo isso? (...) Quando pergunto você-compreende-tudo-isso não estou subestimando você. Ah, deus, perdoe. E gosto das tuas histórias. E gosto da tua pessoa. Dá um certo trabalho decodificar todas as emoções contraditórias, confusas, soma-las, diminui-las e tirar essa síntese numa palavra só, esta: gosto."
[E numa batida mais forte da percussão, ela pediu:
― Deixa eu cuidar de você.
Ele disse:― Deixo.]
Caio Fernando Abreu
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