Triste é não chorar (...) A dor que nos machucou - Nando Reis

“Deixa eu sangrar ao menos Deixa eu chorar então Deixa eu sangrar ao menos Deixa eu perder a ilusão Restam a noite, os ventos E as coisas como são” Titãs Não foi assim, do nada. Explicava ela para si mesma, para quem sabe compreender o que não compreendia agora. E acreditava que não ia compreender nunca, mas achava que valia o esforço. Mas talvez não valesse a dor de relembrar, observar as feridas sendo reabertas, porque doi, muito e já não queria mais doer. Mas também essa coisa de trabalhar para não pensar, e como diz o filósofo do livro que ela lê agora, quem lê muito não tem tempo de ter seus próprios pensamentos. Era isso mesmo que ela andava fazendo. Nunca havia lido tanto. Sua amiga observou: Você tem sempre um livro. Ficou quieta, mas queria responder: Porque tem sempre algo em que não quero pensar. Às vezes é no amor, que passou. Às vezes no trabalho mesmo, que é outra decepção. Melhor é não pensar. Melhor é ler e dormir muito. Mas não foi assim de um dia para outro que se viu tão só. Tinha hoje uma explicação: "Eu sofro sendo assim, eu sofro porque, quando você acha mais da metade do mundo babaca, você passa muito tempo sozinho." (T.B) E são mesmo muito estranhas aquelas pessoas. Cada uma com suas máscaras ela tem as suas, é quase natural. Sorrir mesmo sofrendo. Aconselhar mesmo querendo conselho, oferecer o ombro mesmo quando já não se consegue falar por tantas não lágrimas não derramadas. Mas era esta a imagem que tinham dela. Outra amiga escreveu que vê-la tão irritada e triste era mesmo muito estranho, pois a via como um “super-heroi”. Então, ela tinha sido desmascarada e agora era apenas outra vítima a ser socorrida. Mas por quem? Se era ela a heroína até aqui. Se até aqui era ela quem fazia os acreditar no amor. Era ela quem dizia sempre que esperar era bom, que o sol estava lá mesmo quando tinha mais nuvens no céu. Meu Deus era ela! E agora? Quem vai dizer que se deve mesmo acreditar no amor, que se não foi agora que deu tudo certo pode ser amanhã. Quem vai escrever palavras bonitas que não sejam sobre dor? Quem vai consolar o colega de trabalho que se separou? Quem vai incentivar o outro a estudar, a crescer, a melhorar? Quem é que vai dizer que viver vale a pena mesmo quando os dias te fazem doer? Quem vai tocar e cantar: Were you born to resist? Or be abused? Is someone getting the best, the best, the best, the best of you? Porque de verdade tem sempre alguém pra tirar o que você tem de melhor. E embora as pessoas pensem que ela é a mesma. Não é não. Dessa vez não foi o cabelo que ela mudou. Foi algo lá dentro, que não existe mais, foi na essência que algo se perdeu. Porque a essência daquela que sorria mesmo quando tinha vontade de chorar, a essência de quem acreditava no amor, mesmo não sendo amada, era a esperança. Evaporou, como aquele perfume dele. O rio fica lá, a água é que correu/Chega na maré, ele vira mar/Como se morrer fosse desaguar/Derramar no céu, seu purificar/Deixar pra trás sais e minerais/Evaporar. A essência dela foi perfumar outros céus, outros caminhos. Distribuiu tudo que tinha e ficou só. Só com sua dor, só com suas feridas entreabertas, só com aquele desejo de ser quem um dia foi. Porque levara, tudo que ela tinha de bom, levaram todo amor que ela tinha guardado. E não deram nada em troca. Há quem olhe pra ela e a admire. Como pode ser tão entrega pelos outros? Já disseram. Alguém desconfia que ela tenha dentro daquela cabeça dois cérebros. Como é que disse ele mesmo? “Você deve ter dois cérebros. – Porque minha cabeça é pesada? –Não porque é muito inteligente.” Dois cérebros e nenhum coração. E talvez seja essa diferença que a faça andar em equilíbrio, brincando às vezes, desafiando os perigos, andando sobre o meio fio, quase caindo. Porque não conhece mais a si mesma. E ela volta para seus livros, porque não quer pensar sobre tudo que ele levou dela, não quer pensar sobre aquele mald* dia em que se conheceram. Não quer pensar sobre quem era antes dele aparecer. Deveria ser pecado também roubar alguém de si mesmo. Roubar a esperança, a essência. E agora ela aprendeu que ninguém pode salvar a si mesmo. Luana Gabriela 06/03/2010
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