Lembrança 3

Ele era novo. Ela era nova. Foi na porta da igreja. Por meio de pastores e pais mal intencionados. Conheceram-se. No processo de conhecerem a si mesmos, foram descobrindo o outro. Sem jeito. Era época do msn. Das sms's. Do orkut.

Falavam espanhol (ela tem essa mania estranha de só amar em outro idioma - com o outro foi inglês, com o outro baianês...) um espanhol com sotaque paulista. A voz toda aveludada. O olhar lento. O amor mais sem jeito que eles tiveram.

Foi tão sem jeito que começou e não terminou. Começou na amizade, virou paixão, tesão, acabou amizade de novo. Não acabou. Não tem jeito.

Além da igreja, a faculdade em comum. Viam-se todos os dias de domingo a domingo. A amizade cresceu sincera: mesmo gosto musical, mesmo gosto de cinema, mesmo gosto de leitura. Ela tocava. Liderava. Ele mal havia aparecido e já estava com ela em tudo. Também tocava, também liderava.

Orgulhosos admiravam-se. Ele mostrava a todos os escritos dela. Os técnicos e os românticos. E os religiosos. Ela falava dele a todos. Divertido. Inteligente. Amigo. Carinhoso.

Foi numa tarde de dia da semana, no mirante da faculdade. Sem jeito, conversaram sobre a situação. Não havia jeito. Não havia como não tentar.

Por tempos - poucos - tentaram.

Ela, por medo, sem jeito acabou. Ele sem jeito aceitou.

Ela fugia em todos os lugares. Chegava mais tarde na faculdade. Ele sentava ao lado dela na igreja. Ela sai enfurecida. Algo doía, ela nunca soube o quê. Talvez fosse a felicidade.

Eram tão sem jeito que não souberam terminar. Falaram-se e seguiram pra reunião que tinha juntos em 10 minutos.

Eram ex-namorados. Mas trocavam presentes. Embora ela fugisse, ainda eram sempre vistos juntos.

Um dia foram a um show. Não sabem exatamente quem chamou quem.

Eram tão sem jeito que ele apresentou ela aquele que seria seu amor pelos próximos 4 anos.

Eram tão sem jeito que ele ouviu ela falar do outro todo esse tempo.

Eram tão sem jeito que se desculparam um com o outro inúmeras vezes por e-mail.

Não havia jeito: desculparam-se.

Ele casou. Ele a convidou. Ela não foi. Ela terminou aquele relacionamento com o amigo em comum.

Ela sempre terminando o que não deveria ter começado.

Ele ainda sempre disponível quando ela tem pesadelos. Tem medo da vida.

Não tem jeito.

Faz mais de 10 anos. Eles continuam sem jeito pra terminar. Sem jeito pra continuar. Sem jeito de não ser.

Não tem jeito. Sempre serão lembrança. Daquelas lembranças boas que a gente nunca quer deixar no passado. Ela disse isso pra ele. Sem jeito.


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