Atalhos

Claro que me alegro com tua chegada e me entristeço com tuas constantes partidas. Claro que me encanta essa coisa boa de dar as mãos, sorrir e falar de amor, de nós, da vida. Claro que te escrevo agora pensando em você, como você previa. Claro que só te digo o que sinto. Aproveito e peço-te perdão pelo meu silêncio em resposta aos teus dizeres.

Não é que eu não acredite no que sente, ou no que diz, é que não acredito no sentimento mesmo. Prefiro que me digas que gosta muito. É porque gostar muito também gosto, amar sei que não amo. Embora esteja amando isso de sermos a gente. Isso de ter de ajustar as agendas, de ter de esconder-mo-nos do mundo, para viver um pouco mais essa felicidade clandestina, como já disse Clarice.



Mas que felicidade não é clandestina? De todos os que conheço, e estão felizes nesse momento, nenhum tem indícios do que vive nem no sorriso, nem no olhar.Também não tenho. Não é por nada, é só por tudo, compreende? Se me dizes que penso demais, eu então te faço um pedido: faça-me sentir mais e pensar menos.

Somos diferentes, concordamos nisso e todo o mundo também o concordaria se nos conhecesse como um só. Não é a materialização de que os opostos se atraem é justamente a materialização de que é possível ser igual sendo diferente. Compreendes? Um drama, como daqueles mexicanos ou manchete dos jornais mais sensacionalistas.



Sangramos nossa solidão, a sós, a dois. Mesmo juntos não somos um porque não nos completamos. Porque vamos a direções opostas e nem quando temos nossas mãos entrelaçadas com toda a nossa força, e nem quando o relógio parece estar a nosso favor, não nos enganemos, a eternidade bate à porta. Então de medo, para te ninar e para fingir que não a ouvimos bater, eu canto pra você. E desafino, só pra te provar que eu não sei cantar. Fico em silêncio, só pra te provar que ouço o que não quero, mas não falo o que quero. Embora eu escreva: às vezes sinto mesmo uma vontade imensa de você. Mas então surge-me à mente os domingos à noite em que não estarás comigo. Os sábados que terei de dividir, amor, amigos, eu.



Tenho pouco dentro de mim. De amor, de confiança, de fé. É pouco, sei disso. Mas é tudo que tenho para te dar. Se te ofereço minhas mãos, meu sorriso, meu olhar, se te ofereço meu abraço, é porque acho que você pode aceitar o que restou de quem eu fui. Mas especialmente porque me aceitas tendo-me conhecido numa de minhas fases mais bonitas, mas me vens e me aceitas com toda essa escuridão por dentro, com todas as lágrimas que não me permiti chorar. E com este medo todo, elevado ao quadrado. E te mostro meu pior esperando que vás embora, mas então você fica. Você me abraça, me beija, me segura pela mão e me diz: Vamos fugir? Te respondo que não, há uma vida toda além de nós e decido levantar-me e partir, por não querer ver o fim dessa conversa, onde tudo isso que você me dá pode me levar. Caminho desconhecido, prefiro os atalhos e sei que o fim é sempre certo. Vamos ao fim logo, meu atalho é o medo, o seu; desejo.




Luana Gabriela
12/07/2010
"Eu que nunca discuti o amor
Não vejo como me render
Ah, será que o tempo tem tempo pra amar?
Ou só me quer tão só?
E então se tudo passa em branco eu vou pesar
A cor da minha angústia e no olhar
Saber que o tempo vai ter que esperar"
Móveis Coloniais de Acaju - O Tempo

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