E tem você


Foram anos fechada para qualquer sentimento real - que fugisse dos amores inventados de outrora. Eu me perguntava se algum dia sentiria o que já senti. Eu me perguntava se confiaria novamente em alguém. Cara, durante anos eu só conseguia me lembrar dos relacionamentos ruins. 

Daquele que fez tudo do modo mais perfeito do mundo me conquistou e apareceu com outra. Daquele que fez todos acreditarem que estávamos juntos - inclusive eu -, enquanto ficava com a outra casada escondido. Daquele que teceu comentários nada elogiosos  mas que não me deixava só. Daquele que usou a distância como desculpa pra terminar. Daquele que eu não quis namorar por saber no que ia dar. Daquele que eu considerei ser só amigo e mesmo assim me decepcionou, traiu, abandonou. Os homens não prestam diz minha mãe. Eu tentava provar que ela estava errada. 

Foram tantas pequenas paixões. Entregas tão rasas. 

E de repente, mesmo, eu comecei a lembrar dos caras incríveis que eu já tive o prazer de conhecer. Bem mais que os três que citei nessa série de textos. Tem aquele que prometeu casar-se comigo da próxima vez que se divorciar - um amigo incrível que sabe que pode brincar - tem aquele que me faz sorrir toda quarta-feira. Do nerd ruivo que sempre arruma meu note, meu iphone e desarrumava meu cabelo, sem bagunçar minha vida. Tem aquele que eu não soube amar. O amor de infância que eu reencontrei e não consegui viver. E tem você. 

Eu não posso e eu nem quero mudar tudo o que passou. Nem as coisas boas, nem as coisas ruins. eu não queria ter tentado mais com ninguém. Eu não queria que alguém simplesmente não existisse. 

Eu só quero o que tenho agora: confiança, segurança, vontade, dedicação. 

A gente não ama aos 30 como amou aos 18, aos 22. 

E tem você. 

If I lay here
If I just lay here
Would you lie with me and just forget the world?

I don't quite know
How to say
How I feel

Those three words
Are said too much
But not enougSnow Patrol - Chasing Cars 

Lembrança 3

Ele era novo. Ela era nova. Foi na porta da igreja. Por meio de pastores e pais mal intencionados. Conheceram-se. No processo de conhecerem a si mesmos, foram descobrindo o outro. Sem jeito. Era época do msn. Das sms's. Do orkut.

Falavam espanhol (ela tem essa mania estranha de só amar em outro idioma - com o outro foi inglês, com o outro baianês...) um espanhol com sotaque paulista. A voz toda aveludada. O olhar lento. O amor mais sem jeito que eles tiveram.

Foi tão sem jeito que começou e não terminou. Começou na amizade, virou paixão, tesão, acabou amizade de novo. Não acabou. Não tem jeito.

Além da igreja, a faculdade em comum. Viam-se todos os dias de domingo a domingo. A amizade cresceu sincera: mesmo gosto musical, mesmo gosto de cinema, mesmo gosto de leitura. Ela tocava. Liderava. Ele mal havia aparecido e já estava com ela em tudo. Também tocava, também liderava.

Orgulhosos admiravam-se. Ele mostrava a todos os escritos dela. Os técnicos e os românticos. E os religiosos. Ela falava dele a todos. Divertido. Inteligente. Amigo. Carinhoso.

Foi numa tarde de dia da semana, no mirante da faculdade. Sem jeito, conversaram sobre a situação. Não havia jeito. Não havia como não tentar.

Por tempos - poucos - tentaram.

Ela, por medo, sem jeito acabou. Ele sem jeito aceitou.

Ela fugia em todos os lugares. Chegava mais tarde na faculdade. Ele sentava ao lado dela na igreja. Ela sai enfurecida. Algo doía, ela nunca soube o quê. Talvez fosse a felicidade.

Eram tão sem jeito que não souberam terminar. Falaram-se e seguiram pra reunião que tinha juntos em 10 minutos.

Eram ex-namorados. Mas trocavam presentes. Embora ela fugisse, ainda eram sempre vistos juntos.

Um dia foram a um show. Não sabem exatamente quem chamou quem.

Eram tão sem jeito que ele apresentou ela aquele que seria seu amor pelos próximos 4 anos.

Eram tão sem jeito que ele ouviu ela falar do outro todo esse tempo.

Eram tão sem jeito que se desculparam um com o outro inúmeras vezes por e-mail.

Não havia jeito: desculparam-se.

Ele casou. Ele a convidou. Ela não foi. Ela terminou aquele relacionamento com o amigo em comum.

Ela sempre terminando o que não deveria ter começado.

Ele ainda sempre disponível quando ela tem pesadelos. Tem medo da vida.

Não tem jeito.

Faz mais de 10 anos. Eles continuam sem jeito pra terminar. Sem jeito pra continuar. Sem jeito de não ser.

Não tem jeito. Sempre serão lembrança. Daquelas lembranças boas que a gente nunca quer deixar no passado. Ela disse isso pra ele. Sem jeito.


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