Apartamento



"E quando eu percebi estávamos nós dois de novo
nesse apartamento
A organizar o tempo: o que se foi e o que vai ficar.
Pra agora e talvez depois
Vassoura, feijão com arroz, pudim de amora
O beijo que eu vou te dar
E a cama pra bagunçar
Chuva que demora
E então que eu vi no espelho do elevador
nós dois arrumando os cabelos
A disfarçar os medos de um velho amor que irá passar"

Léo Fressato - Apartamento

Poderia ser setembro, mas é agosto mesmo. É agosto e faz muito sol lá fora. Você apareceu sem avisar, mas eu já poderia esperar. As chaves que eu te dei você nunca devolveu. Eu, talvez na esperança de você voltar, nunca mandei trocar a fechadura. O Luis, porteiro, já te conhece de tempos e nunca iria te impedir de entrar.

Está lá você, fazendo café como quem pretende ficar, mas as malas no sofá cheiram despedida. Não adianta fazer escândalo, o jeito é tomar banho e esperar o café ficar pronto. Não sei o que desejo: o banho das noites de sexta antes de algum happy hour qualquer ou o de segunda de manhã, com tudo ainda por vir.


Finjo ignorar sua presença e deixo tocando aquela música “chega de mansinho, entra sem pedir, bota um Jamie Cullum pra descontrair, vai largando o mundo / pega aquele vinho, deixa eu respirar, rasga o calendário, o tempo é seu lugar, pode vir com tudo*”. Aí eu larguei tudo. Larguei o chuveiro ligado, o café escorrendo pra garrafa, suas malas pelo chão, me larguei nas tuas mãos. Escorrendo pelos teus dedos. Teu cheiro desperta meus sentidos, mais que o do café.
É um velho amor a gente sabe. Vai passar. Sabemos também. Mas aquela noite parece nunca terminar. Medo? A gente nem sabe soletrar. Desejo, é o que sai no lugar. 

*Jamz - Insano

A geração dos "livros" que não são de ler ....

Jardim Secreto e Floresta Encantada são apenas alguns títulos - os pioneiros? - da nova moda de livro para colorir destinado ao público adulto. Essa nova onde seguiu a dos livros interativos para adolescentes e jovens adultos Listografia, Destrua este diário, entre outros. Até pouco tempo os livros interativos - com botões, figuras para colorir, recorte aqui, pontilhe ali, eram exclusivamente destinados às crianças, na faixa etária anterior à alfabetização e no início desta. Isso diz alguma coisa, não?

Não sou favorável a chamar esses livros de interativos, pois pressupõem-se que a leitura então é uma atividade passiva, na qual o leitor apenas recebe e nada interage com o texto que lê. O que, definitivamente, tenho buscado refutar com estudos científicos baseados na Teoria da Recepção. Uma vertente de estudos literários desenvolvida a partir dos anos 70 que aponta o leitor como ativo no processo de leitura. É uma vertente que defende que um texto só o é a partir do momento em que é lido. Umberto Eco - teórico da área e ficcionista - afirma que o bom livro é aquele que deixa lacunas a serem preenchidas pelo leitor. A falta de lacunas torna a leitura maçante. É por isso que ao longo do tempo os contos de fadas deixam de ser interessantes pressupomos, como leitores experientes do gênero, que o final será feliz, e o texto não nos surpreende: E foram felizes para sempre. Acredito que a febre dos livros - esses já citados e  com os quais o que menos se faz é ler - se deve pela falta total de interesse pela leitura genuína. Nada contra eles, tudo a favor dos livros literários. Mas algo está errado. (Inclusive há pessoas questionando o título livros para esses títulos, defendendo que deveriam ser chamados de cadernos de atividades. E quem usa cadernos de atividades? Pessoas em fase de alfabetização).

Um post no Facebook, hoje já amplamente divulgado diz: Crianças com smartphones e adultos com livro de colorir. A constatação me leva a materializar o que há muito já se percebia: os papeis sociais estão definitivamente em crise. As crianças estão passando por um processo de adultização precoce - o que se dá pelo uso do celular (tenho alunos de 8 anos com Iphones e grupos no Whatssapp), pelas roupas etc. Enquanto isso os adultos passam pela adolescência tardia (infância tardia?) saem cada vez mais tarde da casa dos pais, não assumem compromissos (trabalhar por mais de 5 anos na mesma função? No mesmo lugar? Difícil), enfrentar as dificuldades de um relacionamento por 2, 5, 8 anos? Melhor terminar e começar outro. 

Como professora de Literatura e Redação, de crianças e adolescentes, constatei já há muito essa realidade. Os pais novos são outras crianças com as quais temos de lidar. Não demonizo os livros da moda, apenas defendo que essa realidade social - os números divulgados pela Gazeta do Povo sobre a venda desse tipo de livro (http://www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/literatura/livros-de-colorir-tiram-lojas-do-vermelho-55ekovuwtrp9r4nxl8p3ha72y) confirmam o fenômeno social. Inclusive, a vendas dos livros para colorir tem impulsionado, mesmo que timidamente, a venda dos livros "chatos" aqueles sem figura e sem espaço pra gente escrever, só pra gente pensar. 

Pensar está fora de moda. Somos todos Romero Brito e eu prefiro o Machado, Leminski, Drummond...

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Se você considerou minha opinião radical, abaixo segue a entrevista que fiz com o artista e arteterapeuta Wendy P. 

O que você pensa a respeito dessa nova onda dos livros de colorir para adultos?
Acho interessante, mas sinto que há muito mais marketing em torno do seu objetivo do que uma real resposta ao stress. Gosto de muitas coisas ligadas à arte e vejo este livro como um lazer para quem gosta de pintar com lápis de cor, apenas isto. Vi em uma reportagem que estes livros tiraram muitas livrarias do vermelho. Bom para elas! Hahaha

A venda dessa categoria de livros para adultos baseia-se na ideia de que são desestressantes. A atividade de colorir realmente combate o estresse?
Para quem gosta de colorir é desestressante, mas para quem não tem afinidade nenhuma com a pintura pode gerar o efeito contrário. Na arteterapia, o arteterapeuta oferece ao paciente vários recursos ligados a arte, sendo assim, ele trabalha na terapia com o recurso que o cliente escolhe e à medida que as sessões se intensificam, são oferecidos novos recursos para que o paciente experimente. Nem todos se identificam com a pintura, alguns se adaptam melhor com música, outros com desenho, outros com imagens e fotos e por aí vai...

Você, como arte terapeuta, recomenda essa atividade aos adultos? 
Sim, se a pessoa gosta de pintar e se sente bem com isso. Não recomendo comprar este livro apenas com o intuito de aliviar o stress, pois se a pessoa não gosta de pintar ficará mais estressada ainda, pois são tantos detalhes para colorir.

Há limite para o envolvimento do adulto com estes livros de colorir?
Sim. Tudo na vida há um limite. Neste caso o tempo dedicado a pintura não deve prejudicar a saúde física, mental e emocional da pessoa. Exemplo: não pintar em excesso a ponto de causar dores musculares, o tempo dedicado não deve interferir em outras atividades como trabalho e relacionamentos.

Você já comprou algum livro de colorir?
Comprava quando adolescente, pois gostava de copiar os desenhos e pintá-los. Hoje, com a internet não compro mais, pois imprimo direto de lá. Não comprei nenhum destes livros em especial. Mas também não teria problema em comprá-lo já que gosto de pintar e isso me dá prazer. Se eu ganhasse um livro desses de presente, confesso que me daria ainda mais prazer em pintá-lo, pois estaria também economizando. Ha ha há!

Paz e bem!!!


Eu não sei lidar

Você não aguentaria um só dia vestindo a minha pele. Assim Lucas Silveira começa seu livro "Eu não sei lidar". E damos graças por isso. Ele não saber lidar nos mostra que também nós não sabermos, não é grande coisa. E ele não saber lidar foi o que o fez chegar até aqui. Uma maré viva de sentimentos que invade o leitor.

Não vou mentir, sou fã da Fresno, banda do autor. E li parte do livro ouvindo o DVD de 15 anos da banda.  Lembro de ouvir os caras tocarem em shows pequeninos aqui em Curitiba, pagava-se 10 reais e ouvia-se 15 bandas, era quase assim. Entre Dance of Days, Sugar Kane, OsKão, Debutantes 99, Pull Down e outras tantas, Fresno foi, desde sempre a que me dediquei a me manter informada. 

Não importava o que minha mãe me perguntasse depois de uma matéria tendenciosa e sensacionalista do Fantástico falando sobre os emos, citando a Fresno. Eu era emo, se ser emo fosse ouvir Fresno. Inclusive, se ser emo é sentir, faz sentido sermos emos e fãs da Fresno. A banda é movida pelo sentimento e fala disso. Todos eles: amor, revolta, dor, fé - há Deus em cada verso, porque Deus é poesia. 

Ter em mãos, sei lá, 10 anos depois, o livro do Lucas, foi uma catarse. Assim como assistir ao dvd, já que acompanhar saga do Lucas na luta por apoiadores desse projeto foi uma constante, principalmente pelo Twitter. A internet faz a gente acreditar que o cara que a gente curte o trabalho é um chegado nosso. Mas o trabalho do Lucas, me faz ter certeza de que mais que um chegado o cara é um abençoado, iluminado - amaldiçoado?- pelo dom de sentir. E como acredito que Deus é bom, esse dom vem com o coração de artista, e sentir fica menos difícil quando se pode transformar o sentimento em arte.

Lucas escreve, canta, toca, desenha. 

Lucas é um reflexo de uma geração que se busca, se procura e se encontra. 

Antes a gente se encontrava em frente ao 92 graus, ao Hangar. Agora com o corpo mais cansado, a grana mais comprometida, a gente se encontra é sentado no sofá de frente pra TV onde assistimos o DVD e onde o livro, já acabado, se encontra. 

O lançamento do dvd e do livro são nossa Redenção. A Fresno não visa dinheiro. Ela tem vida. Ela sobrevive e acredita. O corpo está cansado, mas a voz e coração, não. O resto é nada mais. 


TODOS

Ontem me perguntaram o que eu queria do futuro. Eu respondi sem a menor convicção: só quero que meu apartamento fique pronto. Dessa resposta eu pude inferir um monte de coisas sobre as quais eu estava evitando pensar. A falta de ânimo e esperança é uma delas. O medo sempre latente é outra. Eu queria também fazer logo minhas próximas 3 tatuagens. Mas isso eu não podia dizer. 

Eu não podia dizer que eu queria aluno interessados, professores que valorizassem seus trabalhos. Que eu queria não chorar mais cada vez que lesse um relato na página do SP Invisível. Eu queria mais tempo pra ler, nem que fosse na fila do banco, na sala de espera do dentista. Eu queria viver em um lugar com menos burocracia. 

Eu queria minha vó de volta. Eu queria meu vô de volta. Eu queria minha tia de volta. Eu queria ser criança de volta e ser feliz. Não fui uma criança feliz. Eu era presa em mim mesma, eu permitia que me rebaixassem, que me dissessem como eu deveria ser. 

Mas eu gosto mais de quem eu sou agora. Livre pra ser quem eu sou, mesmo que prisioneira das consequências das minhas escolhas. Eu escolhi continuar gorda. Eu escolhi fazer só os exercícios que eu gosto. Eu escolhi ser professora e não vender minha alma pras empresas-escolas, mas empregar-me de corpo e alma em instituições de ensino. 

Eu ensino. Eu aprendo. Eu vivo. Eu rio. Eu sofro. Eu caio. Eu levanto. Eu durmo. Eu sonho. 

Quando me perguntaram o que eu queria, o mestrado foi esquecido, o amor foi esquecido. Na verdade o que eu queria era não perder mais ninguém. Nem mesmo a mim. 

Não me perder da minha escrita. Do meu sentir. Do meu querer.

O Lenine cantava "a vida é tão rara", uma folha caía da árvore. Uma lágrima de mim. Alguém caí morto. Alguém morria de amores. Alguém caía em si. Alguém. 

Você. 

Eu.

Ninguém.

Todos.

Presente

Pele. a Tua. O cheiro, a cor, a textura. A temperatura. O toque. Teus dedos dedilhando-me, delicadamente arrancando de mim notas de suspiro. Aquele olhar. Aqueles segundos. Eu poderia ficar presa nos seus olhos a vida toda. É sobre o teu olhar que me sinto inteira. A pessoa mais incrível do mundo. Os seus olhos são os mais cheios de desejo e encanto que já me olharam. E eu não posso desviar.

Eu poderia prender meus dedos em cada nó dos teus cabelos longos. Eu poderia sentir o perfume que sai da tua nunca pra sempre. Eu poderia ficar presa no seu abraço todos os dias da minha vida. Eu poderia, eu queria. E isso é tudo.

E depois de ti, já não sei mais se haverá entrega tão clara e subjetiva. Foi naquela troca de olhares, que eu senti tudo que há anos eu não sentia. Foi na sua blusa molhada com minhas lágrimas que encontrei o que não procurava.

Estou presa na impossibilidade de nós.
Livre da liberdade de ser uma e presa nos nós que não nos ligam.

Foi quase em querer.  

E não é pouco

O amor existe, porra! Esse é o nome do projeto que você me apresentou, uma noite dessas que você apareceu aqui pra tomar uma cerveja especial, vinda das terras geladas que tanto eu quanto você queremos conhecer. Você falava do livro e do ep com tanto entusiasmo que eu fiquei tentando me lembrar de quando foi a última vez que algo me entusiasmou. E eu não lembrei. 

Ouvimos todas as poucas músicas. Você leu um trecho do livro - o seu favorito. E eu agora lembro aquela noite, olha o entusiasmo aparecendo. A gente riu tanto. Depois chorou tanto. Dormimos no chão.

Você não foi embora. Falamos dos missionários no Norte da Ásia, falamos da fome no bairro, dos catadores da cidade . Catamos brisas de carinho que a gente nem sentia antes porque nossas janelas estavam fechadas. Sentimos a fome de amor como se nunca houvéssemos comido antes. Nem um aperitivo sequer. Reciclamos sentimentos como a descrença no outro e nos encontramos. Somos missionários em terras perigosas: o coração um do outro. Você catou meu coração de papel em pedaços, montou o quebra-cabeça e fez dele um lindo quadro que adorna a parede de felicidade que nos separa dos outros. 

Faz quanto tempo? E você ainda está. A gente está. 

E além de me mostrar o projeto, você me mostrou que acima de toda dor, acima dos falsos amores, a verdade é que: O amor existe, porra! 




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