Os outros

Não vou atender. Repito a cada toque. Passa da meia-noite, eu preciso dormir. E mesmo longe você vem me tirando o sono, hoje não. Já é quinta-feira, minhas olheiras estão enormes, assim como minha fome. Fome de tudo que não há no cardápio. Fome do que a vida não me serviu. Eu nem vou até o quarto, onde o celular toca. Quarenta minutos depois me ajeito para dormir e aí dou uma olhada, três chamadas suas. É instintivo: te ligo.

Você pede pra que eu pare de suspirar, mas está frio, e meu peito ainda dói. Eu acabei de ouvir Leoni, numa versão de " Os outros", e achei lindo. Lembrei de você. Não digo isso. Porque não pensei em você em todos estes dias, só agora, e se eu dissesse você ia achar que tenho pensando tanto em você, como quando era o início antes de tudo ocupar o seu lugar na minha vida, antes de qualquer coisa ocupar o meu lugar na sua vida.

Conversa banal. Pergunto como está todo mundo na sua casa, como está sua aula, "já está de férias?", sugere que façamos alguma coisa, eu digo que sim. Mas nem me passa pela cabeça o que poderíamos fazer sem soar estranho. Aliás, esta ligação é estranha. Pergunto da sua nova namorada, " e ela está bem?", penso em perguntar o porque ligou pra mim e não pra ela, desisto e pergunto apenas porque me ligou tantas vezes, "fiquei preocupada", diz que queria me acordar e me pergunta manhoso se eu estava dormindo. Não eu não estava e dessa vez não vou mentir pra te fazer feliz, respondo: "Eu estava assistindo a um filme", pergunta porque não atendi antes, só ouvi chamar uma vez, e não quis interromper o filme.

Meia verdade. A verdade inteira é que fiquei com medo. Foi mais ou menos nessa hora que você me ligou pra dizer que sentia-se acuado pelos seus sentimentos e que sua vontade era ficar comigo pra sempre, mas não dava. Não dava porque havia outra que te tirou o chão e eu era muito real. A possibilidade concreta de um amor pra vida toda, e você não estava preparado pra isso, 20 anos é cedo pra encontrar o amor da sua vida. Entendi, mas não quis ouvir mais nada. Deixei com que você partisse sem lutar por nós, porque nessa hora do fim é sempre hora de lutar por mim mesma. É hora de mostrar pra mim que o amor existe mesmo que seja fora, mesmo que seja longe.

Silêncio, é hora de desligar. Me deseja boa noite, pede pra eu me cuidar e diz que estará livre no sabado à noite. Digo que não vai dar, "outro compromisso". Entende como "há outro cara", digo que pode até ser, mas depois de você, os outros são os outros. Desligamos, e cantarolo a minha parte favorita da música:  a minha vida continua, mas é certo que eu seria sempre sua. Quem pode me entender.



Luana Gabriela
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