Trocando em miúdos


E senti vontade de pegar o violão, pela primeira vez desde que você partiu. Já era tarde da noite, eu dedilhando qualquer coisa, meio sem sentido, exatamente como andava minha vida. Sem rumo, sem ritmo, eu travava na troca de um acorde para outro, eu travava na hora de sorrir, eu havia esquecido. Sorrir é como tocar violão, a gente sabe, mas depois de um tempo sem fazer a gente trava até pegar o jeito novamente.

Aos poucos as músicas saíram, assim como os sorrisos. A primeira soou como um desabafo, “I use to loved her, but i have to kill her”, em algumas horas fui de Gun´s a John Mayer. Fui do ódio ao melancólico amor. Não o amor que ainda existe, o amor que já existiu e foi embora tão completamente a ponto de não trazer cheiros, desejos, gostos. Você sabe que um amor já foi embora quando consegue fechar os olhos e não lembrar do beijo. Fechei os olhos. E nada. Sua lembrança era tão vaga quanto a lembrança da fórmula de báskara. E eu nunca fui bom em matemática.

Você diria agressivamente, mesmo quando estávamos bem, que eu na verdade não sou bom em nada. Talvez, o amor não tenha ido embora quando você ainda sabe o que o outro diria. Afasto esse pensamento, não toco nenhuma daquelas músicas que eram nossas, não me permito. O que me incomoda no fim das relações são as músicas que não poderão mais tocar. Depois de você como ouvir, Please don´t stop the rain? Depois de nós dois, como cantarolar, de olhos fechados e com sorriso cúmplice, o refrão “I've found out a reason for me, to change who I used to be, a reason to start over new, and the reason is you”?

Depois de você eu só desejo um amor menos estrangeiro. Um amor pronunciado no mesmo idioma, um amor sem tradução. Um amor que saiba o que é saudade. Um amor que se deixe levar no dedilhado de alguma canção da bossa nova, embalado pelo timbre doce de Caetano, Vinicius, Jobim, Toquinho. Ela amarrando os cabelos, deixando a nuca à mostra, resmungando, para não sobrepor o som que vem do quarto “O meu amor tem um jeito manso que é só seu, que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos...”.  Depois de você, só quero um amor digno das canções de Chico Buarque. 


Luana Gabriela
Abril 2011

Vai por mim

Para ler ao som de Use Somebody (sugestão minha)


Texto de Gabito Nunes

Não, não fica bem aparecer por lá agora, ainda. Faz só uma semana.  Ele vai estar naquela fase em que o canto dos pássaros na janela não lembra música, só ruídos verde-escuros. Ele está bem, evidente que está. Tem trinta e dois dentes, barba, um amigo que outro, discos do Nirvana, quem não estaria? Não, não, chorando já é pedir demais. Outra? Duvido muito. Os primeiros dias, vinte ou dez, a gente se dá conta de que não tem mais ninguém pra se arrumar, perfumar, ficar pronto. Ele deve estar com aquela calça cinza de algodão, caminhando de meias pela casa, apoiando a testa no vidro da janela, de vez em quando. Tomando coragem de olhar pra rua e o que vem por aí, depois de você.

Não, não telefona. Me espera chegar. Do mesmo, de nada vai adiantar. Ele está justamente esperando por isso, testando as possibilidades, do fixo pro móvel, e vice-versa, pra checar mesmo se ambos estão cumprindo seu papel. E tá tudo em cima, funcionando, não vá estragar todo o processo de cura, os primeiros dias são elementares. Telefonar de bobeira pra ficar em silêncio do outro lado do mundo, enquanto ele espera que você diga "estou-arrependida-posso-voltar?". Pra quê? Ele até já ensaiou o timbre pra dizer, como vai desdenhar um pouco de início, depois apresentar seu disfarce em condições infantis, aquele jeito frágil querendo parecer forte só pra mostrar que pode te proteger num anoitecer de segunda-feira.

Você não terminou porque precisava de mais atenção? Então, criatura. Agora é o que ele mais precisa, depois de ouvir "não-dá-mais-vamos-terminar-isso-antes-que-alguém-se-machuque-mais". A não ser que você queira parecer louca, aí guardo suas costas, vá em frente. Se ele for realmente o Grande Amor da Sua Vida? Não é, vai por mim, a gente sempre sabe. Não pense maluquices. Ainda é cedo. O tempo pra surgir um novo amor leva uma eternidade, não se engane. Agora serão apenas uns casinhos sem importância, ele vai cultivar dois ou três, todos com a cor de cabelos, a voz e o cheiro bem diferentes dos seus. E mesmo que alguém apareça, o alarme dele não vai soar.

Não, você não é insubstituível. Mas também, o que você queria? Uma espécie de hipoteca amorosa? Um estepe sentimental? Não é assim. Ele é bacana, vai encontrar outrem um dia, vai conquistá-la com o mesmo mel que grudou você, ninguém perde a manha. Um pouco de ciúme é natural, poxa vida, você é gente, isso é parte integrante. E, fatalmente, vão se cruzar por aí. São tantas as esquinas. Vocês vão beber um café quente juntos, falar amenidades, sobre novos cortes de cabelo, você está bonita, e você mais maduro, como está sua mãe e tudo mais. Nos momentos de silêncio, baixarão o queixo, com medo de amarrar olhares e, talvez, voltar tudo aquilo outra vez. Mas vai ser só isso. Se existem outros caras legais por aí? Claro que sim. Vai por mim. 
 
Originalmente publicado em www.carascomoeu.com.br 
Grifos MEUS!

Eu ando com dificuldades de achar textos que me toquem, que mexam comigo, que me digam algo que eu não consigome dizer. E este é um deles!! FODA e eu não costumo dizer essa palavra, já disse AMO muito mais vezes!
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