A geração dos "livros" que não são de ler ....

Jardim Secreto e Floresta Encantada são apenas alguns títulos - os pioneiros? - da nova moda de livro para colorir destinado ao público adulto. Essa nova onde seguiu a dos livros interativos para adolescentes e jovens adultos Listografia, Destrua este diário, entre outros. Até pouco tempo os livros interativos - com botões, figuras para colorir, recorte aqui, pontilhe ali, eram exclusivamente destinados às crianças, na faixa etária anterior à alfabetização e no início desta. Isso diz alguma coisa, não?

Não sou favorável a chamar esses livros de interativos, pois pressupõem-se que a leitura então é uma atividade passiva, na qual o leitor apenas recebe e nada interage com o texto que lê. O que, definitivamente, tenho buscado refutar com estudos científicos baseados na Teoria da Recepção. Uma vertente de estudos literários desenvolvida a partir dos anos 70 que aponta o leitor como ativo no processo de leitura. É uma vertente que defende que um texto só o é a partir do momento em que é lido. Umberto Eco - teórico da área e ficcionista - afirma que o bom livro é aquele que deixa lacunas a serem preenchidas pelo leitor. A falta de lacunas torna a leitura maçante. É por isso que ao longo do tempo os contos de fadas deixam de ser interessantes pressupomos, como leitores experientes do gênero, que o final será feliz, e o texto não nos surpreende: E foram felizes para sempre. Acredito que a febre dos livros - esses já citados e  com os quais o que menos se faz é ler - se deve pela falta total de interesse pela leitura genuína. Nada contra eles, tudo a favor dos livros literários. Mas algo está errado. (Inclusive há pessoas questionando o título livros para esses títulos, defendendo que deveriam ser chamados de cadernos de atividades. E quem usa cadernos de atividades? Pessoas em fase de alfabetização).

Um post no Facebook, hoje já amplamente divulgado diz: Crianças com smartphones e adultos com livro de colorir. A constatação me leva a materializar o que há muito já se percebia: os papeis sociais estão definitivamente em crise. As crianças estão passando por um processo de adultização precoce - o que se dá pelo uso do celular (tenho alunos de 8 anos com Iphones e grupos no Whatssapp), pelas roupas etc. Enquanto isso os adultos passam pela adolescência tardia (infância tardia?) saem cada vez mais tarde da casa dos pais, não assumem compromissos (trabalhar por mais de 5 anos na mesma função? No mesmo lugar? Difícil), enfrentar as dificuldades de um relacionamento por 2, 5, 8 anos? Melhor terminar e começar outro. 

Como professora de Literatura e Redação, de crianças e adolescentes, constatei já há muito essa realidade. Os pais novos são outras crianças com as quais temos de lidar. Não demonizo os livros da moda, apenas defendo que essa realidade social - os números divulgados pela Gazeta do Povo sobre a venda desse tipo de livro (http://www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/literatura/livros-de-colorir-tiram-lojas-do-vermelho-55ekovuwtrp9r4nxl8p3ha72y) confirmam o fenômeno social. Inclusive, a vendas dos livros para colorir tem impulsionado, mesmo que timidamente, a venda dos livros "chatos" aqueles sem figura e sem espaço pra gente escrever, só pra gente pensar. 

Pensar está fora de moda. Somos todos Romero Brito e eu prefiro o Machado, Leminski, Drummond...

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Se você considerou minha opinião radical, abaixo segue a entrevista que fiz com o artista e arteterapeuta Wendy P. 

O que você pensa a respeito dessa nova onda dos livros de colorir para adultos?
Acho interessante, mas sinto que há muito mais marketing em torno do seu objetivo do que uma real resposta ao stress. Gosto de muitas coisas ligadas à arte e vejo este livro como um lazer para quem gosta de pintar com lápis de cor, apenas isto. Vi em uma reportagem que estes livros tiraram muitas livrarias do vermelho. Bom para elas! Hahaha

A venda dessa categoria de livros para adultos baseia-se na ideia de que são desestressantes. A atividade de colorir realmente combate o estresse?
Para quem gosta de colorir é desestressante, mas para quem não tem afinidade nenhuma com a pintura pode gerar o efeito contrário. Na arteterapia, o arteterapeuta oferece ao paciente vários recursos ligados a arte, sendo assim, ele trabalha na terapia com o recurso que o cliente escolhe e à medida que as sessões se intensificam, são oferecidos novos recursos para que o paciente experimente. Nem todos se identificam com a pintura, alguns se adaptam melhor com música, outros com desenho, outros com imagens e fotos e por aí vai...

Você, como arte terapeuta, recomenda essa atividade aos adultos? 
Sim, se a pessoa gosta de pintar e se sente bem com isso. Não recomendo comprar este livro apenas com o intuito de aliviar o stress, pois se a pessoa não gosta de pintar ficará mais estressada ainda, pois são tantos detalhes para colorir.

Há limite para o envolvimento do adulto com estes livros de colorir?
Sim. Tudo na vida há um limite. Neste caso o tempo dedicado a pintura não deve prejudicar a saúde física, mental e emocional da pessoa. Exemplo: não pintar em excesso a ponto de causar dores musculares, o tempo dedicado não deve interferir em outras atividades como trabalho e relacionamentos.

Você já comprou algum livro de colorir?
Comprava quando adolescente, pois gostava de copiar os desenhos e pintá-los. Hoje, com a internet não compro mais, pois imprimo direto de lá. Não comprei nenhum destes livros em especial. Mas também não teria problema em comprá-lo já que gosto de pintar e isso me dá prazer. Se eu ganhasse um livro desses de presente, confesso que me daria ainda mais prazer em pintá-lo, pois estaria também economizando. Ha ha há!

Paz e bem!!!


Eu não sei lidar

Você não aguentaria um só dia vestindo a minha pele. Assim Lucas Silveira começa seu livro "Eu não sei lidar". E damos graças por isso. Ele não saber lidar nos mostra que também nós não sabermos, não é grande coisa. E ele não saber lidar foi o que o fez chegar até aqui. Uma maré viva de sentimentos que invade o leitor.

Não vou mentir, sou fã da Fresno, banda do autor. E li parte do livro ouvindo o DVD de 15 anos da banda.  Lembro de ouvir os caras tocarem em shows pequeninos aqui em Curitiba, pagava-se 10 reais e ouvia-se 15 bandas, era quase assim. Entre Dance of Days, Sugar Kane, OsKão, Debutantes 99, Pull Down e outras tantas, Fresno foi, desde sempre a que me dediquei a me manter informada. 

Não importava o que minha mãe me perguntasse depois de uma matéria tendenciosa e sensacionalista do Fantástico falando sobre os emos, citando a Fresno. Eu era emo, se ser emo fosse ouvir Fresno. Inclusive, se ser emo é sentir, faz sentido sermos emos e fãs da Fresno. A banda é movida pelo sentimento e fala disso. Todos eles: amor, revolta, dor, fé - há Deus em cada verso, porque Deus é poesia. 

Ter em mãos, sei lá, 10 anos depois, o livro do Lucas, foi uma catarse. Assim como assistir ao dvd, já que acompanhar saga do Lucas na luta por apoiadores desse projeto foi uma constante, principalmente pelo Twitter. A internet faz a gente acreditar que o cara que a gente curte o trabalho é um chegado nosso. Mas o trabalho do Lucas, me faz ter certeza de que mais que um chegado o cara é um abençoado, iluminado - amaldiçoado?- pelo dom de sentir. E como acredito que Deus é bom, esse dom vem com o coração de artista, e sentir fica menos difícil quando se pode transformar o sentimento em arte.

Lucas escreve, canta, toca, desenha. 

Lucas é um reflexo de uma geração que se busca, se procura e se encontra. 

Antes a gente se encontrava em frente ao 92 graus, ao Hangar. Agora com o corpo mais cansado, a grana mais comprometida, a gente se encontra é sentado no sofá de frente pra TV onde assistimos o DVD e onde o livro, já acabado, se encontra. 

O lançamento do dvd e do livro são nossa Redenção. A Fresno não visa dinheiro. Ela tem vida. Ela sobrevive e acredita. O corpo está cansado, mas a voz e coração, não. O resto é nada mais. 


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