- Sob o céu sem sol -





Ela costumava ouvir meus acordes e murmurar “o céu parece bom”

Mallu Magalhães

- Sob o céu sem sol -





Ela costumava ouvir meus acordes e murmurar “o céu parece bom”

Mallu Magalhães

- Se o vento soprar não deixe de escutar o que ele quer lhe falar - Chimarruts

Desenho de: Kurt Halsey
Chegar em casa, depois daqueles dias tão diferentes. Quando o sol não incomodava e andar pela praia lhe fazia bem. Mesmo quando a lua, de vergonha se escondia, para não mais tocar o mar. Mesmo naqueles dias quando havia apenas uma melodia, aquelas palavras que ela nunca mais ouviria, e mesmo naqueles dias quando o sol lhe ardia na pele e o calor não lhe deixava dormir. Mesmo naqueles dias conseguia sorrir. Exposta a tudo que lhe desagradava, a convivência forçada com tudo que achava errado. A mulher grávida que fumava, o marido que sumia, a mãe que não corrigia, o filho que mentia, a namorada que não sentia falta do namorado, o namorado que não aparecia. Mesmo naqueles dias ainda era feliz. Mas chegar em casa, abrir aquela porta, rever os móveis, a TV desligada, o chão gelado. Largar as malas pela sala, ligar para dizer que havia chego, estava bem, e agora estava perto. E ouvir do outro lado apenas a recomendação: abra as janelas. E abriu, abriu a porta de vidro que deixava toda a sala iluminada, a cortina nunca era fechada. Abriu todas as janelas e mesmo com a chuva que mais tarde começou, as janelas permaneceram abertas. Que chovesse em tudo, que a casa toda fosse lavada, fosse limpa, e estivesse clean como ela estava. Logo depois de abrir as janelas, a primeira coisa que tirou da mala, foi sua nova caneca. Aquela primeira do ano, tão diferente de todas que havia visto. Momento perfeito para testar aquela receita de cappuccino que lhe deram. E sabiam exatamente tudo que lhe faria bem. E Deus deixou que a chuva caísse a tarde toda, e na caneca nova aquela receita nova, e tudo nela era novo. Não havia sequer uma dor velha, uma culpa antiga, nenhum amor do passado. E tudo era novo. E talvez não fosse a hora, mas lembrou daquelas palavras: Preciso de alguém como você do meu lado, não quer mesmo ficar comigo? E não queria. Hoje não queria nada além daquela casa, com aquela caneca e aquele líquido quente, esquentando tudo que outrora era tão frio. E o vento lá fora suspirava a melodia de seus sonhos – algo como it´s so good to be true/ i thank God i’m alive. E depois de descobrir que o amor era mais bonito quando estava fora dela, foi olhar pela janela. E a chuva ainda estava lá. Porque alguém bem sabia, que a chuva era tudo que ela queria e alguém queria muito vê-la sorrir. E ainda tinha na gaveta o boton que havia ganho, e ainda tinha na memória, mesmo que vagamente, a promessa de ganhar o livro que mais queria há meses: Desculpe se te chamo de Amor. E ainda lembrava-se de ter aprendido uma lição: não se pode acreditar muito em ninguém, nem em si mesma. Por isso não mais se prometeu que não olharia para ele com aqueles olhos da primeira vez. Neste novo ano esqueceu-se de fazer promessas, e esqueceu-se de tudo que lhe haviam prometido. Ela sabia como ninguém que tinha problemas de memória. Ela não sabia dizer se ele lembrava que ela tinha mania de esquecer. Luana Gabriela 03/01/2010
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