Divina comédia


Eu trato o amor como alguns ateus tratam Deus. Eu duvido que ele exista, mas sabendo que seria melhor que ele existisse. Eu poderia repetir, talvez com sucesso, aquela proposta: se você existe, me mande um sinal, me prove. Mas a verdade é que de alguma maneira o amor se mostra pra mim, mas cada uma dessas vezes só confirma minha ideia de que ele até pode existir, mas eu nunca vou saber.
Eu nunca vou experimentar. E não adianta conhecer a paixão, o tesão e a amizade. São deuses diferentes. Esses são ex-anjos, agora caídos na Terra, levam os pobres humanos à desgraça. Assim como o objetivo do diabo é levar consigo ao inferno quantos mais conseguir, esse também é o objetivo do tesão e da paixão. O objetivo da amizade é o purgatório, que para alguns também pode ser chamado de friendzone. Aquela relação que poderia ser tudo e que pode acabar do nada, mesmo sem ter sido alguma coisa.
Eu já estive no purgatório. Eu sou visitante assídua do inferno. Aquele lugar cheio de calor, almas perturbadas, gritos de dor (sentir dor pode ser um prazer). Mas o paraíso... o paraíso eu nem sei se existe.
Mas eu tive uma miragem. No meio do calor do deserto. Eu vi o que pode ser o paraíso pelo olhar ingênuo de um menino. Recém-saído da adolescência, mas ainda cheio de sonhos. Eu vi nos olhos daquele garoto o que pode ser o amor, no toque das mãos dele, no meu delírio eu senti amor. Na voz dele, que eu ouvi por horas, eu senti um conforto e uma paz, o que deve ser a sensação que o paraíso traz.
Na risada daquele quase ex-garoto eu senti um fresco de inocência, misturado com malícia ingênua. Assim mesmo, complexo, confuso, intenso, inteiro, com medo, metade certeza, metade dúvida. Ele.
Eu de repente senti que aquele quase homem poderia ser meu paraíso, e que ele sentia que eu poderia ser seu paraíso também. Até que a gente descobriu, que a vida é uma comédia divina. Nem Dante, nem Beatriz. Nem nós dois.
A vida não é feita só do sobrenatural. Entre paraíso, purgatório e o inferno, há a realidade.
Na realidade não há nada.
É tudo uma grande ilusão.
A crença em Deus.
A crença no amor.
Aquele olhar.
O que eu senti.
Ele.
Nós.

1 marginálias:

Faltou açúcar? Quer um verso de creme?

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