Odiei as palavras e as amei,e espero tê-las usado direito

- Você falou de mim com ele? No começo, Liesel não conseguiu dizer nada. Talvez fosse a súbita turbulência do amor que sentiu por ele. Ou será que sempre o tinha amado? Era provável. Impedida como estava de falar, desejou que ele a beijasse. Quis que ele arrastasse sua mão e a puxasse para si. Não importava onde a beijasse. Na boca, no pescoço, na face. Sua pele estava vazia para o beijo, esperando. Anos antes, quando os dois haviam apostado corrida num campo lamacento, Rudy era um conjunto de ossos montado às pressas, com um riso irregular e hesitante. Sob o arvoredo, nessa tarde, era um doador de pão e Ursinhos de pelúcia. Um tríplice campeão de atletismo da Juventude Hitlerista. Era seu melhor amigo. E estava a um mês de sua morte. — É claro que falei de você com ele — disse Liesel. Estava se despedindo, e nem sabia. (...) Ele mexe comigo, esse garoto. Sempre. É sua única desvantagem. Ele pisoteia meu coração. Ele me faz chorar. (...) — Rudy? Ele estava deitado com seus cabelos amarelos e os olhos fechados, e a menina que roubava livros correu em sua direção e desabou. Deixou cair o livro preto. — Rudy, acorde — soluçou. Agarrou-o pela camisa e lhe deu a mais leve sacudidela incrédula. — Acorde, Rudy — e já então, enquanto o céu continuava a esquentava a despejar uma chuva de cinzas, Liesel agarrava o peito da camisa de Rudy Steiner. — Rudy, por favor — e as lágrimas se engalfinhavam com seu rosto. — Rudy, por favor, acorde, que diabo, acorde, eu amo você. Ande, Rudy, vamos, Jesse Owens não sabe que eu amo você? Acorde, acorde, acorde... Mas nada se importou. Os destroços apenas subiram, mais altos. Montanhas de concreto com tampas de vermelho. E uma linda menina, pisoteada pelas lágrimas, sacudindo os mortos. — Vamos, Jesse Owens... Mas o menino não acordou. Incrédula, Liesel afundou a cabeça no peito de Rudy. Segurou seu corpo amolecido, tentando impedir que pendesse para trás, até que precisou devolvê-lo ao chão massacrado. E o fez com delicadeza. Devagar. Devagar. — Meu Deus, Rudy... Inclinou-se, olhou para seu rosto sem vida, e então beijou a boca de seu melhor amigo, Rudy Steiner, com suavidade e verdade. Ele tinha um gosto poeirento e adocicado. Um gosto de arrependimento à sombra do arvoredo e na penumbra da coleção de ternos do anarquista. Liesel beijou-o demoradamente, suavemente, e, quando se afastou, tocou-lhe a boca com os dedos. Suas mãos estavam trêmulas, seus lábios eram carnudos, e ela se inclinou mais uma vez, agora perdendo o controle e fazendo um erro de cálculo. Os dentes dos dois se chocaram no mundo demolido da Rua Himmel. Liesel não disse adeus. Foi incapaz de fazê-lo e, após mais alguns minutos ao lado do amigo, conseguiu levantar-se do chão. A menina que roubava livros - Markus Zusak

2 marginálias:

  1. Eu chorei tanto na morte de Rudy Steiner. Esse menino de cabelo cor de limão e doador de pão e ursinho de pelúcia encanta qualquer coração.

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  2. "Um comentário sobre Rudy Steiner:
    Ele nao merecia morrer como morreu"

    Não mesmo T_T

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